A Louca Vida de Any - Tragédia
- André Luiz
- 18 de out. de 2021
- 8 min de leitura
Atualizado: 20 de out. de 2021
Conhecer a história da vida de alguém é algo sempre muito intrigante, é incrível o quanto uma pessoa que julgamos conhecer bem pode acabar nos surpreendendo de diversas maneiras. Algumas vezes fruto de um possível desinteresse de nossa parte em nos esforçarmos um pouco mais para conhece-la, porém algumas vezes pode ser fruto de um desejo pessoal, ou seja, a pessoa não quer certas coisas ou acontecimentos sejam descobertos.
Isso tudo é algo muito normal pois todas as pessoas no mundo possuem segredos, sejam gostos diferentes, paixões secretas e até mesmo hábitos peculiares, ou você acha que é a única pessoa no mundo que faz umas loucuras?
(Eu mesmo amo comer presunto com açúcar. Mas ei, shiiii! Ninguém sabe.)
Pois bem, Any manteve em segredo por muito tempo a história que vou lhe contar aqui, uma vez que se trata de algo que de uma certa forma mudou drasticamente o rumo de sua vida. Any teve uma dificuldade enorme em falar sobre isso, em cada novo detalhe que me contava a expressão de sofrimento em seu rosto aumentava e a emoção se tornava cada vez mais difícil de se controlar.
Para compreendermos bem o contexto da história, temos que entender a relação de Any com seu irmão mais novo Rey. Apesar do fato de existir uma diferença de cinco anos de idade, sempre houve uma proximidade muito grande entre eles. Any sempre notou que seu irmão se inspirava muito em seus passos e atitudes, o que lhe fez desenvolver um sentimento de orgulho, sendo uma das poucas coisas que aumentava sua autoestima.
Como já foi citado em um texto anterior, Any e sua família em determinado momento se mudaram de uma cidade pequena para uma muito maior e mais desenvolvida. Os primeiros momentos nessa nova fase se mostraram bastante turbulentos, a dificuldade de adaptação ao clima, a solidão de não conhecer ninguém e principalmente a saudade da família foram obstáculos difíceis de serem superados.
Conforme os anos iam passando, Any e sua família foram criando cada vez mais raízes na nova cidade, inclusive conhecendo os vizinhos da frente de sua casa, que por coincidência, eram de uma cidade muito próxima de onde Any havia vindo. Em um determinado momento, tanto Any, quanto seu irmão estudavam na parte da manhã, e com isso era necessário encontrar um lugar ou alguém que tomasse conta de Any e seu irmão à tarde.
(Na verdade era somente para seu irmão, pois nessa época Any vivia na rua jogando taco e apertando campainhas até altas horas da noite. Quem nunca não é mesmo? Oh tempo que deixa saudades!)
A mãe de Any então combinou com a vizinha da frente de sua casa, para que Rey passasse as tardes na casa dela, o que não foi algo novo para ela, pois além de Rey, outras quatro crianças passavam o dia na mesma casa.
(Sim, ela cuidava de um total de 5 crianças todo santo dia, haja paciência!)
As tardes eram animadas, pois todas as crianças se divertiam bastante cuidando e brincando com os vários cachorros que haviam na casa. Isso sem falar nos mais variados tipos de lanches que todos os dias surpreendiam até mesmo Any.
(Você pode estar pensando: O que esse ambiente tão bom tem haver com esse título cheio de suspense? Então, vou te dizer uma coisa: A partir de agora, de uma pausa por 10 segundos, se prepare, pegue um café, e continue a ler, coisas ficaram um pouquinho conturbadas!)
Como foi dito alguns trechos atrás, os vizinhos de Any também vieram de uma cidade do interior, por conta disso, eles possuíam alguns costumes diferentes que trouxeram junto na mala.
Era chegado dia 23 de dezembro, estavam todos na casa, todas as crianças, inclusive Any e Rey. A tão querida vizinha junto com seus filhos e seu marido, estavam na parte de trás do quintal preparando alguns frangos para a ceia do Natal, fazendo o processo de sapecagem, um costume vindo do interior.
(Vou fazer uma pequena pausa, pois tenho certeza que você não conhece como é feito o processo de sapecagem de frangos, então vou te explicar:
Primeiro é matado o animal, pois ninguém come uma galinha viva né? Depois disso, ela é mergulhada em uma panela com agua fervendo, para que suas penas se soltem, então todas elas são retiradas. Por último, ela é sapecada no fogo, ou seja, passada rapidamente por cima de uma chama, para que sejam queimados todos os pequenos pelinhos que não foram possíveis retirar com as mãos.
Depois disso é só temperar, assar e correr para o abraço!)
Voltando ao dia 23, estavam todos ali nas redondezas onde eram sapecados em torno de quatro ou cinco frangos para o Natal. Observando o processo que consistia em mergulhar o frango na panela com e depois passar ao fogo, que estava em uma panelinha no chão, estavam no total cinco crianças e mais Any.
(Nessa época Any tinha 12 anos de idade, era criança ainda? Não sei dizer, acho que é relativo isso de idade de deixar de ser criança né? Eu mesmo sou criança até hoje...).
Um ambiente rodeado de crianças, é um lugar muito difícil de ser controlado completamente, e como haviam somente dois adultos ali, algumas coisas acabariam passando despercebidas. Como por exemplo, uma das crianças, notar que o fogo da panelinha, havia “se acabado”, e pensar:
- "Nossa, vou ajudar eles, para que não percam tempo com isso."
Resultado: Uma das crianças ali presente, alcançou o vidro de álcool, e jogou um pouco na panela, na tentativa de reacender o fogo. Por conta disso a panela explodiu em chamas, e de todas as 7 pessoas que estavam presente no local, TODAS AS CHAMAS foram em direção de Rey, que ardeu em chamas por quase 10 segundos.
Agora pare, respire e tente adivinhar quem foi a criança que pegou e jogou o álcool na panela fazendo-a explodir? Exatamente, essa criança ERA ANY!
A cena é algo que Any não consegue esquecer. Todas as outras 4 crianças chorando assustadas, os dois adultos desesperados para apagar o fogo, seu irmão se debatendo em chamas, e Any? Any ficou completamente imóvel, não conseguia mexer sequer um dedo, não conseguia falar uma palavra, se rendendo as lágrimas caindo bem lentas dos olhos enquanto gaguejava repetidamente:
"- Desculpa."
A vizinha após apagar o fogo, pegou Rey nos braços, e correu chorando para a rua, onde se jogou na frente de um carro o fazendo parar, implorando por ajuda. O motorista, que ninguém fazia a mínima ideia de quem seja, parou instantaneamente, ligou o alerta, e foi voando para o hospital. (O cara é simplesmente um herói!)
(Any me confessou que não lembra muito do que aconteceu nos momentos após tudo isso, as poucas lembranças que tem, é de sua mãe e seu pai chorando a noite em casa quando descobriram todo o ocorrido. Teorias dizem que o próprio cérebro de Any colocou uma espécie de “trava” no seu subconsciente, numa tentativa de defesa.)
Como resultado do acontecimento, Rey, que naquela época tinha 7 anos de idade, teve aproximadamente 60% do seu corpo queimado. Ao completar 10 dias na UTI, os médicos decidiram que seria necessário amputar seus dois braços, pois não havia como recuperá-los. Ao saber disso, Any entrou em um desespero muito grande, seu choro era inconsolável e um sentimento de culpa surgia em seus pensamentos.
Porém, nesse mesmo dia, chegava ao hospital um médico que estava estudando nos EUA, e era especialista em acidentes com fogo. Ao saber do caso de Rey, vetou imediatamente a amputação, e ao arregaçar as mangas de seu jaleco, se fez possível ler uma frase tatuada em um de seus braços: “ Enquanto houver 1% de chance, haverá 99% de determinação.”. Como resultado, os braços do Rey foram mantidos, e ele os possuem até hoje. Ao todo Rey ficou 15 dias na UTI, sendo 8 dias em coma.
Após esse período, Rey foi transferido para o quarto onde permaneceu por 6 meses, passando por diversos tipos de tratamentos, como por exemplo uma sonda para se alimentar, pois como havia ingerido chamas tanto pela boca quanto pelo nariz, sérias lesões internas se ocasionaram, não sendo possível alimentar-se normalmente.
(Any me contou que seu irmão possui a cicatriz da sonda até hoje em seu pescoço).
Além disso, passou por uma série de curativos intensamente dolorosos, os remédios analgésicos eram aplicados intravenal, ou seja, Rey era furado por uma agulha mais de 10 vezes ao dia.
Tudo isso acumulava-se cada vez mais e mais nos seus pensamentos, e Any não sabia como lidar com a situação. Sua preocupação com Rey era imensa, mas sua “trava psicológica” não permitia Any de se aproximar de Rey.
Após passarem-se dois meses, Any conseguiu reunir forças para criar coragem e visitar Rey em seu quarto. No dia em questão Any acordou cedo para se preparar, tomou sua gigante xícara de café como de praxe e partiu em direção ao hospital.
Ao chegar no estabelecimento, antes mesmo de adentrar as portas de vidro, um grande arrepio tomou conta do seu corpo e Any pode sentir um enorme “frio na espinha”, porém isso não foi o suficiente para lhe fazer desistir. Subiu de elevador até o andar em que ficava o quarto de Rey, andou lentamente e após respirar fundo pela última vez abriu a porta do quarto com firmeza. Ao fazer isso, Any imediatamente viu Rey inteiramente coberto por faixas o que novamente lhe fez ficar imóvel. Any não conseguia falar nada, não conseguia mexer um dedo, e mesma cena se repetiu: Enquanto lágrimas deslizavam lentamente pelo seu rosto, sussurava em baixo tom:
"- Desculpa."
Nada disso abalou mais o coração de Any do que a reação de Rey ao se reencontrarem. Rey olhou fixamente para Any, arregalou bem os olhos e deu um sorriso de orelha a orelha. Como não conseguir falar, foi dessa maneira que Rey tentou dizer para Any:
- "Está tudo bem, logo logo estou de volta. Está aproveitando os lanches por mim?"
Aquilo realmente partiu o coração de Any, que só conseguia chorar.
(Assim como eu. Enquanto escrevi isso aqui, tive que ir 3 vezes no banheiro, por que caiu um cisco no meu olho. Essa poeira de Joinville, vou te falar, realmente acaba conosco né? Aposto que caiu um aí em seus olhos também. Tudo bem, é normal!)
Pouco a pouco Any acostumou-se a situação, e conseguiu ir muitas outras vezes visitar Rey. Any estava presente quando seu irmão conseguiu dar seus primeiros passos após meses deitado em uma cama, o que lhe fez sentir uma enorme alegria que não sentia há muito tempo. Por vivencia a situação, Any adaptou-se para conseguir lidar com ela, porém o que ninguém sabia é que todas as noites antes de dormir, Any se descarregava em um choro silencioso abafado pelas cobertas:
- "A culpa é toda minha! Era o que Any sempre repetia várias e várias vezes até adormecer."
Conforme o tempo foi passando, Rey foi se recuperando muito bem. Any sempre refletia muito sobre toda a situação e com isso pode perceber que, apesar de traumática, tudo aquilo era uma experiência de vida simplesmente fantástica. Nos meses em que passou no hospital ao lado de Rey, Any conheceu diversas histórias, vários exemplos de vida, que poderiam fazer qualquer pessoa repensar se está mesmo levando sua vida da maneira correta.
(Mas quem sou eu para julgar isso? Acho que cabe a cada um de nós refletirmos sobre nossas atitudes e maneiras de se viver.
Ao chegar ao final da história pude definir bem meu objetivo com tudo isso: Não quero que você chore, se arrependa ou desanime, muito pelo contrário.
Todos passamos por dias difíceis, muitas vezes podem parecer impossíveis de superar. Não vou falar nenhuma frase de efeito aqui, ou muito menos cobrar atitudes de você, só me prometa uma coisa: Que você nunca vai desistir.
Any me contou que foi encontrar forças graças à ajuda de algumas pessoas, e por conta disso nunca desistiu. E assim é conosco também, muitas vezes pessoas que sequer imaginávamos acabam se tornando pilares em nossas vidas.
E se por acaso você está de bem com a vida, não pense que isso não vale para ti também, pois vai ver você é, ou pode acabar se tornando um pilar na vida de alguém, mesmo não fazendo ideia disso.
Por isso, sempre que puder, reflita um pouco sobre como você leva a sua vida, garanto que vai lhe fazer um bem enorme.
Espero que tudo isso contribua de alguma forma para você.
E se você estiver precisando: Nunca, jamais hesite em pedir ajuda, nunca vai ser um caminho sem volta.)








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